João Carlos Martins - Mãos biônicas e uma alma resiliente

Imagine uma criança que aos 8 anos descobre seu talento no piano e após nove meses de aulas, ganha o concurso da Sociedade Bach de São Paulo. Esta é a vida de João Carlos Martins. Aos 11 anos estudava 6h de piano por dia, aos 20 tocou no Carnegie Hall e gravou a obra completa de Bach para piano.
Uma vocação claramente destinada à música e ao piano. Porém, a vida tinha planos muito difíceis para João Carlos. Quando tinha 25 anos, ele sofreu uma lesão num jogo de futebol. Esta foi a primeira de muitas lesões e dores nos membros superiores que o acompanharam por toda sua vida. Por conta da lesão que afetou o nervo ulnar, 3 dedos da mão direita atrofiaram, trazendo uma enorme dor e dificuldade para tocar. Não sendo bastante, desenvolveu lesões por esforço repetitivo quando retornou aos palcos. Alguns anos depois, num assalto na Bulgária, sofreu uma lesão neurológica que o submeteu a diversas cirurgias, impossibilitando-o de tocar com a mão direita. Ainda assim, gravou o álbum “Concertos para mão esquerda” em 2001. Como se não bastasse, em 2003, uma doença chamada “Contratura de Dupuytrenele” inviabilizou também a sua mão esquerda, e ele perdeu basicamente os movimentos das duas mãos.

Já sem esperanças de permanecer no mundo da música, assume um novo papel, o de regência de orquestra, e aí se redescobre. Sempre disposto a dar o melhor de si, destaca-se como maestro, regendo a Nona sinfonia de Beethoven toda de cor (por não poder passar as páginas da partitura), em São Paulo.
E agora, em 2020, João retorna com as duas mãos para o piano graças a um par de luvas biônicas desenvolvidas especificamente para ele. “É a 1ªa vez em 22 anos que coloco os 10 dedos no teclado.”
Quantos ensinamentos podemos extrair de uma vida como está? Pelo menos as virtudes da persistência e resiliência. Saber trabalhar diariamente em nome de uma meta e, apesar das quedas, nunca desistir. Quantos de nós não teríamos desistido no primeiro empecilho que o impediu de tocar, e todas as desculpas seriam aceitáveis para isso? A cada lesão que ele sofria em suas mãos, mais determinado ele se tornava. Nós também enfrentamos obstáculos em nossas vidas diariamente, porém muitas vezes preferimos evitá-los de todas as formas, do que crescermos através deles.
Com certeza, João não seria o pianista que é hoje se não tivesse enfrentado todas essas provas em sua vida, e o mais bonito de tudo isso é ver o seu discurso. Nunca relata mágoa das experiências passadas, nem traumas, nem rancor pelas oportunidades que perdeu, mas sempre uma gratidão pelas experiências que a vida trouxe.

Que possamos nos inspirar com João, o Maestro (nome do filme que foi aos cinemas feito em sua homenagem em 2017), e que possamos nos reposicionar quanto aos nossos limites, quanto as duras experiências que enfrentamos, quanto a nossa vida e nossa capacidade de superação.
Obrigada João Carlos Martins, a melodia tocada pela sua vida sempre ecoará em nossos corações.